Miscelânea - mistura de variadas compilações literárias, mistura de coisas diversas; mixórdia; confusão, amontoamento; salgalhada.(segundo o dicionário Aurélio). A valorização das identidades culturais na vida urbana é um desafio importante na metrópole paulistana para o reconhecimento de seus habitantes entre si. A arquitetura e o urbanismo podem construir esse lugar. Criar os lugares de encontro, da memória, os lugares para a criação, o lugar de cada um e o lugar de todos.
quinta-feira, 28 de junho de 2012
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Louco por ti Corinthians!!!!!!
Carta de um torcedor indignado, apaixonado e fiel,
que para meu orgulho é o Luiz Roque, meu filho:
"Quem me conhece sabe o quanto eu gosto de futebol. Sempre fui corinthiano roxo, quanto tinha 10 anos de idade meu pai me levou em 11 das 13 derrotas seguidas que o Corinthians teve no Pacaembu após às quedas das Libertadores de 99 e 2000. Antes disso eu já tinha visto no estádio o Corinthians ser campeão brasileiro, vi momentos incríveis do Corinthians na TV, o Mundial, a virada em cima do Santos no Paulistão 2001, enfim, o timaço daquele período de 98 a 2000.
Mas foram aquelas 11 derrotas seguidas no Pacaembu que deixaram essa marca em mim... Ir, todo domingo, ver o Corinthians perder... e no domingo seguinte voltar e ver novamente... e no outro sucessivamente... E ver a Fiel torcida lá, cantando emocionada por aquele time. Isso mexeu comigo. Tanto é que minha relação com o Corinthians sempre foi muito mais pela torcida que por títulos ou por grandes jogadores.
Sou sócio da Gaviões desde 2003, sempre frequentei o batuque da torcida, sempre fui no estádio de arquibancada, sempre exaltei mais a força da nossa camisa, da nossa história, da nossa torcida, do que de nossos craques. Sempre tive orgulho de torcer pro time do povo, dos pobres, dos trabalhadores, fundado por trabalhadores humildes e sonhadores.
Além do Corinthians, o futebol sempre foi uma paixão, apesar disso, e do clichê das crianças do Brasil, nunca tive vontade de ser jogador de futebol, gosto de jogar bola só de brincadeira, o que me empolga mesmo é a arquibancada, a torcida, o suor de quem canta e não de quem joga. Por isso assim que entrei na faculdade a primeira coisa que procurei foi a torcida organizada do meu curso, entrei na bateria e me divirto muito.
Mas ainda sim, sempre tive admiração pelo belo futebol, por isso também desde pequeno sempre admirei um time que tem a tradição de jogar bonito, de dar show, o Barcelona F.C., criei uma relação com o Barça porque na mesma época que comecei a me envolver com o Corinthians, o Rivaldo era o craque do momento na seleção, em 99 ele foi o melhor do mundo na Copa de 98, ele foi um dos craques, e jogava no Barça.
Um pouco antes minha mãe havia viajado à Espanha e me trouxe uma camisa do Rivaldo, um estojo de lata que tenho até hoje com o time do Barça, e um pouco depois no ano 2000 na Eurocopa realizada na Holanda, minha mãe também estava lá e me trouxe uma camisa da Holanda.
Na época o Barça era recheado de holandeses, sempre foi uma tradição no Barça os craques holandeses, aliás foi de lá que veio a filosofia do futebol bonito e ofensivo do Barça, com Rinus Michels, Cruyff, os irmãos De Boer, Overmars, Kluivert, e etc. Mas tirando isso, a paixão mesmo sempre foi pela torcida, que diga-se de passagem a do Barça é das mais belas da Europa.
Mas naquele mesmo momento entre 99 e 2000 outro time se destacava no certame, o argentino Boca Jrs que a história dispensa apresentações, time de craques como Maradona, Verón, Batistuta, Riquelme, Tévez e etc. O Boca na época ganhou várias Libertadores em sequência e o que ficou mais na memória foi sua torcida, famosa e temida por ser fanática e fazer muito barulho em seu estádio, La Bombonera.
Estádio famosíssimo por parecer uma caixa de bombons e ser muito apertado, próximo do campo e íngreme. Fiquei fascinado com aquela torcida, a mais famosa de seu país, assim com a minha no meu, não é a toa que somos a única torcida do Brasil com nome próprio, enquanto todas as outras são as torcidas do time tal, nós somos simplesmente a Fiel. Desde aquele momento sonhei em conhecer a Bombonera, e isso juntou-se ao sonho da conquista da Libertadores pelo meu time. Desde aquela época nós Corinthianos sofremos por não termos conquistado ainda a Libertadores e o Boca sempre no fundo desse imaginário, o time mais temido da América, mais tradicional na competição.
Em 2005 minha irmã estava fazendo intercâmbio em Montevidéu e o Corinthians contratou o craque do Boca, Carlitos Tévez. Esse deu show no Timão, enfiou 7a1 no Santos, foi campeão brasileiro. No fim do ano fomos visitar minha irmã em Montevidéu e obviamente fomos a Buenos Aires ali pertinho. Ao andar com a camisa número 10 do Corinthians eu era saudado tanto no Uruguai como na Argentina, todos diziam, Vai Corinthians, Vai Carlitos.
E naquela viagem eu finalmente realizei o começo do meu sonho, conhecer a Bombonera, entrei na arquibancada, pisei no campo, tirei fotos, enfim, conheci numa visitação o charmosíssimo estádio. Depois o sonho de uma Libertadores só aumentou, e o Corinthians passou por mais algumas decepções, e até o pior momento de sua história, o rebaixamento à segunda divisão. Em todos esses momentos, essas derrotas eu estava lá. Quando perdeu para o River Plate em 2006, na fatídica noite da violência no Pacaembu, trago marcas desse jogo até hoje, no rebaixamento em 2007 eu estava em todos os jogos no Pacaembu, e na recuperação do time, na modernização o Corinthians.
Eu vi o projeto Ronaldo, vi o título paulista invicto em 2009 com golaços do fenômeno, vi a copa do Brasil com aquele timaço de Mano Menezes com Elias, Douglas, Ronaldo, Dentinho, André Santos, Cristian e etc. E vi também a nova decepção na Libertadores de 2010 frente ao Flamengo. Mas vi de novo o Corinthians levantar, e o mestre Tite levar o time ao nosso quinto título brasileiro, num jogo final contra nosso maior rival que nem ouso citar, no mesmo dia em que morreu um de nossos maiores ídolos, o grande Dr. Sócrates, que lutou pela Democracia no Brasil.
Aí depois de um time que não tem craques, que o forte é o coletivo, chegou a final da Libertadores contra o time do craque Neymar, foi decidido o adversário do Timão na nossa primeira final de Libertadores. E o adversário era o Boca Jrs. Desde aquele momento não consegui mais me concentrar em nada. Só pensava nesse jogo e em realizar plenamente meu sonho de infância. Assistir a uma final de Libertadores do meu time, contra o Boca Jrs, na Bombonera. E mais ainda, ser campeão.
Eu tentei desesperadamente conseguir o ingresso para o jogo na Argentina, mas foi impossível por diversos motivos, como a corrupção daqueles que tinham o poder sobre os ingressos, mas deixemos isso pra lá. O que importa é que o Corinthians chegou até aqui, eu não vou conseguir dessa vez realizar esse sonho, mas uma parte desse sonho ainda é possível, e é a parte mais importante, o título.
Faltam ainda dois jogos, mas estamos no caminho certo pela primeira vez. Temos a chance real desse título. E para a finalíssima no Pacaembu, para esse jogo, na minha segunda casa, onde eu sempre acompanhei essa camisa, onde sempre fui Fiel, eu fui pela minha assiduidade contemplado e tenho meu ingresso. Eu vou nessa final, pode ser que não sejamos campeões, nosso amor continuará igual, aumentará até, e continuaremos acreditando, pois sempre existirá o ano que vem. E o meu sonho de ver esse jogo na Bombonera, ficará pra mais tarde. Eu te amo Corinthians! Jogai por nós!"
terça-feira, 26 de junho de 2012
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Coríntians e Boca
Semana tensa de muita expectativa. Quem já foi em "La Bombonera" sabe o que é aquele espaço. Compacto, denso, onde mesmo vazio se pode enxergar o peso da torcida do Boca Juniors. Eu sei que meu time vai fazer bonito lá.
Filme de hoje e de ontem
Febre do Rato - poesia, fotografia em branco e preto espetacular e os atores fantásticos. Expõe a dor da vida como ela é, sem maquiagem. Hoje
E aí comeu? - divertido aborda as angústias da solidão do ponto de vista masculino de modo sensível. Será? Ontem
Deus da Carnificina - o segundo melhor do mês - mundo contemporâneo sem sensibilidade. A casa caiu e ninguém vê. Semana Passada
O que eu mais desejo - O mais legal visto este mês. Vale a pena. As crianças são demais. E o Japão se revela um pouco entre o velho e o novo. Semana passada 2
Novamente o desenho à mão e abertura dos baús
Meus desenhos acompanhando os alunos na aula do Professor Feres na disciplina Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo em 2009
domingo, 24 de junho de 2012
LUTA POR UMA CIDADE MAIS CIVILIZADA -“O OUTRO LADO DO MURO – INTERVENÇÃO COLETIVA”
CARTA AO MOVIMENTO
“O OUTRO LADO DO MURO – INTERVENÇÃO COLETIVA”
PAISAGEM, MEMÓRIA E CIDADE, UMA INTERVENÇÃO COLETIVA
São Paulo precisa de áreas livres, de mais verde, de preservar seus rios. Todos dizem isto, desde o mais simples cidadão ao mais letrado e estudioso. Mas, quem se compromete com esta conquista? É um problema dos governos, dos ambientalistas, dos geógrafos, dos hidrólogos, dos agrônomos, dos arquitetos, dos engenheiros?
Penso que a resposta é não, este é um problema de interesse de todos. Um problema de interesse público, e principalmente daqueles que têm responsabilidade na construção da cidade, da dona de casa e do empresário.
O Estatuto da Cidade estabelece que toda propriedade deve cumprir uma função social. Creio que função social quer dizer interesse coletivo, de acordo com os interesses da sociedade e não apenas fornecer lucro a aqueles que são proprietários.
Temos o direito de enxergar a nossa paisagem natural e o dever de preservá-la. Ver os limites da cidade, ver os rios, ver a vegetação. Onde estão nossos rios? Onde estão as montanhas e os montes que os portugueses conheceram quando aqui chegaram?
Faz tão poucos anos, somente 458 anos. Esta é a idade de nosso aglomerado urbano criado pela instalação de um colégio jesuíta, melhor não poderia ser de termos uma escola como símbolo de nossa fundação.
E foi aqui nos campos de Piratininga com uma riquíssima rede hidrográfica que nasceu a grande metrópole que se tornaria a locomotiva do país. Ela cresceu, cresceu, tanto que agora precisa se cuidar. Seus habitantes querem qualidade de vida, espaços públicos bem cuidados, ver nossos rios limpinhos onde as crianças possam aprender a cuidar da natureza. Outros países muito menores que o nosso dão este exemplo.
Então é preciso entender esta paisagem tão bonita formada por dois grandes rios, o Tietê e o Rio Pinheiros e suas planícies tão vastas que a cidade ocupou suas várzeas, divididas por um espigão, no alto da Avenida Paulista que organiza as nascentes que formam seus afluentes.
Na Vila Mariana a várzea do Rio Pinheiros chegou bem perto do Ibirapuera. É das encostas do espigão da Avenida Paulista, da Avenida Vergueiro, da Avenida Jabaquara que se escondem as nascentes que correm sob as avenidas, sob prédios, por galerias para chegar ao Córrego do Sapateiro atravessando primeiro o Lago do Ibirapuera para que pudéssemos usufruir do Parque mais bonito e mais usado da cidade.
Uma dessas pequenas nascentes forma um riozinho chamado Boa Vista, na meia encosta do espigão onde se situa a Rua Humberto I. Há registros de sua existência em plantas da Prefeitura do início do século XX, nas fotos aéreas da década de trinta, no Plano de Avenidas de Prestes Maia e felizmente apesar de ele ter sido canalizado ainda não foi construído nada sobre ele, mas sabemos que ele alimenta o lago do Ibirapuera, que ele extravasa no período das chuvas mais fortes no encontro das galerias da Rua Amâncio de Carvalho, antigo caminho do Matadouro Municipal, com a Rua Maestro Callia.
Ele está ali vivo nos dizendo: “venham me ver, tragam as crianças para conhecer um rio, deixem os idosos tomar sol às suas margens, me deixem correr devagar e me espalhar pelas margens para evitar as enchentes lá embaixo na Avenida 23 de maio, deixem o barulho da água embalar o sono dos que descansam, tragam os passarinhos para beber água, deixem eu fazer parte do espaço público”.
Mas, este rio é propriedade privada, cercado por um muro na Rua Conselheiro Rodrigues Alves na altura do número 570, onde havia a Fábrica de Cera Record.
A fábrica desativada há anos e demolida há pouco mais de cinco anos, como inúmeras outras fábricas que deram origem ao bairro, cumpria a função social como quer o Estatuto da Cidade, pois empregava inúmeros trabalhadores, dizem até que o “Arnesto”* do samba de Adoniran Barbosa.
É preciso resgatar a paisagem e sua memória onde ainda for possível em São Paulo, e onde ela clama por isso, a cidade necessita que seus moradores se sintam parte de sua história e cuidem dela. Por isso, consideramos que os projetos de empreendimentos mesmo que privados devem dialogar e devolver à paisagem aquilo que lhe pertence e tornar público aquilo que é de interesse público.
Talvez a generosidade dos empresários que querem construir apartamentos na Rua Conselheiro Rodrigues Alves, para vender de forma legítima, associada à austeridade do poder público de defender os interesses coletivos, a memória e o meio ambiente para o futuro dos cidadãos, possa construir um novo caminho para reconstrução da qualidade de vida de São Paulo e regulamentar os impactos ambientais e a defesa do patrimônio imaterial que significam as paisagens que contextualizam os rios da cidade.
Rosana Helena Miranda. Profª Drª da FAUUSP. São Paulo, 20-05-2012.
*Segundo o site http://www.saopaulominhacidade.com.br
sábado, 23 de junho de 2012
Gil letra e música uma coisa só
Músicas de hoje: Gilberto Gil
A Novidade
Uh! Heiê! Oh!
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!
Ah! Aaaah!
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!
Ah! Aaaah!
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!
Ah! Aaaah! Heiê! Heiê!
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!
Ah! Aaaah!...
A novidade veio dar à praia
Na qualidade rara de sereia
Metade o busto
D'uma deusa Maia
Metade um grande
Rabo de baleia...
A novidade era o máximo
Do paradoxo
Estendido na areia
Alguns a desejar
Seus beijos de deusa
Outros a desejar
Seu rabo prá ceia..
Oh! Mundo tão desigual
Tudo é tão desigual
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!
Oh! De um lado esse carnaval
De outro a fome total
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!...
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!
Ah! Aaaah!
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!
Ah! Aaaah!
E a novidade que seria um sonho
O milagre risonho da sereia
Virava um pesadelo tão medonho
Ali naquela praia
Ali na areia...
A novidade era a guerra
Entre o feliz poeta
E o esfomeado
Estraçalhando
Uma sereia bonita
Despedaçando o sonho
Prá cada lado....
Oh! Mundo tão desigual
Tudo é tão desigual
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!
Oh! De um lado esse carnaval
De outro a fome total
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!...
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!
Ah! Aaaah!
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!
Ah! Aaaah! Ah! Aaaah!
Ah! Aaaah! Ah! Aaaah!
Ah! Aaaah! Ah! Aaaah!
Esotérico
Não adianta nem me abandonar
Porque mistério sempre há de pintar por aí
Pessoas até muito mais vão lhe amar
Até muito mais difíceis que eu prá você
Que eu, que dois, que dez, que dez milhões, todos iguais
Até que nem tanto esotérico assim
Se eu sou algo incompreensível, meu Deus é mais
Mistério sempre há de pintar por aí
Não adianta nem me abandonar (não adianta não)
Nem ficar tão apaixonada, que nada
Que não sabe nadar
Que morre afogada por mim
Lúcio Costa mestre do desenho e da cidade
Este texto recomendo a todos os meus alunos e a todos que amam desenhar, e por isso o reproduzo aqui para que tenham um acesso mais rápido
O ENSINO DO DESENHO
Programa
para a reformulação do ensino de desenho no curso secundário, por solicitação
do ministro Capanema.
Lucio Costa
1940
Clive Bell define arte como significant form.
O rabisco não é nada, o risco
– o traço – é tudo. O risco tem carga,
é desenho com determinada intenção – é o “design”. É por isto que os antigos
empregavam a palavra risco
no sentido de “projeto”: o “risco para a capela de São Francisco”, por exemplo. Trêmulo ou firme, esta carga é o que importa. Portinari costumava
dar como exemplo a assinatura, feita com esforço, pelo analfabeto (risco), com
o simples fingimento de uma assinatura (rabisco). O arquiteto (pretendendo ser modesto) não deve jamais empregar a
expressão “rabisco” e sim risco.
Risco é desenho não só quando quer compreender ou significar,
mas “fazer”, construir.
1. Introdução
Duas dificuldades se apresentam fundamentais, quando se considera
o problema do ensino do desenho no curso secundário. Primeiro, é que as aulas serão muitas vezes ministradas por pessoas
pouco esclarecidas, ou mal esclarecidas sobre o que de fato importa, convindo
assim restringir ao mínimo indispensável a intervenção do professor, a fim de
que a própria estruturação do programa atue por si mesma, de forma decisiva, na
orientação do ensino. Deste modo, sendo o professor pessoa inteligente e mais
bem in formada, o ensino dará o seu maior rendimento; no caso contrário, a ação
dele tornar-se-á menos nociva.
A segunda dificuldade é que os objetivos do ensino do desenho,
nesse curso, são de natureza contraditória. Contradição que os programas não
costumam levar na devida conta, estabelecendo-se em conseqüência no espírito
dos alunos, uma certa confusão que se vai agravando com o tempo a ponto de
comprometer irremediavelmente, mais tarde, no adulto, a capacidade de discernir
e apreender no seu sentido verdadeiro o que venha a ser, afinal, obra de arte
plástica.
De uma parte, com efeito, o ensino do desenho visa desenvolver nos
adolescentes o hábito da observação, o espírito de análise, o gosto pela
precisão, fornecendo-lhes meios de traduzirem as idéias e de os predispor para
as tarefas da vida prática, concorrerá também, para dar a todos melhor
compreensão do mundo das formas que nos cerca, do que resultará
necessariamente, uma identificação maior com ele.
Mas, por outro lado, tem por fim reavivar a pureza de imaginação,
o dom de criar, o lirismo próprios da infância, qualidades, geralmente
amortecidas quando se ingressa no curso secundário, e isto, tanto devido à
orientação defeituosa do ensino do
desenho no cursos primário, como devido mesmo à crise da idade, porque, então,
esses novos adolescentes,
atormentados pelas críticas inoportunas e inábeis dos mais velhos, já perderam
a confiança neles mesmos e naquele seu mundo imaginário onde tudo era possível
e tinha explicação: sentem-se inseguros, acham os desenhos que fazem ridículos,
tem medo de “errar”.
Ora, precisamente aquelas qualidades é que irão constituir, por
assim dizer, o fundo comum de onde brotarão, mais tarde, as manifestações
artísticas quaisquer que elas sejam. Importa, assim, cultivá-las a fim de que
os mais capazes, neste particular, possam encontrar naturalmente o seu caminho,
ao invés de vê-lo obstruído por um ensino absurdo que ainda apresenta o grave
inconveniente de estimular as falsas vocações.
O seu objetivo, entretanto, não é só esse de reavivar, em
benefício principalmente dos mais dotados, tais qualidades; é, também o de
permitir que, ao terminarem o curso aos quinze ou dezesseis anos de idade,
todas as moças e rapazes, indistintamente, tenham, senão a perfeita
consciência, – o que só a experiência, depois, poderá trazer –, ao menos noção
suficientemente clara do que venha a ser uma obra de arte plástica, não como
simples cópia, mais ou menos
imperfeita, da natureza, mas como criação à parte, autônoma, que dispões dos
elementos naturais livremente e os recria a seu modo e de acordo com suas
próprias leis.
Dessa diversidade de objetivos resultam modalidades diferentes de
desenho, o que se poderia resumir, para maior clareza, da seguinte maneira:
§
para o inventor quando concebe
e deseja construir – o desenho como meio de fazer, ou desenho técnico;
§ para o curioso quando observa e deseja registrar – o desenho como documento, ou desenho de observação;
§ para o ilustrador quando imagina uma coisa ou uma ação e deseja figurá-la – o desenho como comentário ou desenho de ilustração;
§ para decorador quando inventa e combina arabescos – o desenho como jogo e devaneio, ou desenho de ornamentação;
§ para o artista quando, motivado, utiliza em maior ou menor grau, essas diferentes modalidades de desenho, visando realizar obra plástica autônoma e expressar-se – o desenho como arte, ou desenho de criação;
§ para o curioso quando observa e deseja registrar – o desenho como documento, ou desenho de observação;
§ para o ilustrador quando imagina uma coisa ou uma ação e deseja figurá-la – o desenho como comentário ou desenho de ilustração;
§ para decorador quando inventa e combina arabescos – o desenho como jogo e devaneio, ou desenho de ornamentação;
§ para o artista quando, motivado, utiliza em maior ou menor grau, essas diferentes modalidades de desenho, visando realizar obra plástica autônoma e expressar-se – o desenho como arte, ou desenho de criação;
Ou seja, esquematizando ainda mais para facilitar a aplicação didática:
§
para a inteligência quando
concebe e deseja construir, o desenho como meio de fazer, ou desenho técnico;
§
para curiosidade quando observa e deseja registrar – o desenho
como documento, ou desenho de
observação;
§
para o sentimento quando se toca; para a imaginação quando se
solta; para a inteligência quando “bola” a coisa ou está diante dela e deseja
penetrar-lhe o âmago e significar, o desenho como meio de expressão plástica,
ou desenho de criação.
O ensino do desenho, no curso
secundário, deve ser, pois, orientado simultaneamente nestas três direções
distintas e é imprescindível que as crianças apreendam, logo de início, essa
diferenciação fundamental. Nesse sentido, seria desejável que o próprio
programa fornecesse ao professor os meios de esclarecer convenientemente os alunos,
ilustrando cada uma das modalidades de desenho acima indicadas, como exemplos
apropriados.
1º exemplo – Desenho como meio de
fazer, ou desenho técnico:
Mostrar
como tudo que existe fabricado pelo gênio do homem, viveu primeiro como idéia
na imaginação de alguém; explicar que quando a idéia ocorre ao inventor, ele a
traduz numa fórmula ou num gráfico, ou seja, um desenho esquemático, desenho
bisonho e aparentemente destituído de sentido, mas que significa tudo,
porquanto a idéia está contida ali; grifar a importância desse desenho,
lembrando aos alunos como, na eventualidade da morte do seu autor, outros
poderão retomar, graças a ele, o raciocínio interrompido; novos desenhos em
escalas diversas e cada vez mais precisos, para a construção de modelos, depois
outros desenhos alterando, aperfeiçoando, apurando, até aos desenhos
definitivos de execução, muitas vezes em tamanho natural, e é só então que a humanidade toda aproveita e se beneficia do
que foi um dia, simples idéia na imaginação de alguém; acentuar o sentido moral
desse esforço comum em benefício da coletividade e, para gravar melhor no
espírito das crianças, lembrar quantas centenas e milhares de desenhos não
serão necessários para se fazer um automóvel, um avião, ou melhor ainda, um
transatlântico.
2º
exemplo – Desenho como documento, ou desenho
de observação:
Perguntar se todos não gostam de rever, pequenos, em fotografias
antigas guardadas no álbum de família e de saber como eram seus pais quando
moços e seus avós; considerar, por outro lado, o quanto é também extraordinário
podermos reconhecer, quase como a parentes, tantos homens e mulheres famosos ou
anônimos do tempo antigo, apenas porque foram retratados por artistas da época; considerar, ainda, como seria interessante conhecermos o aspecto
da nossa cidade quando começou e como foi que ela depois cresceu; lembrar que
essa cidade pode ter mais de um ou dois séculos, talvez m-ais de três, e que,
portanto, o único meio de satisfazermos a curiosidade, é recorrermos aos
desenhos e às gravuras antigas, feitos por viajantes ou artistas, que
acompanhavam as missões científicas na qualidade de “fotógrafos”; mostrar estampas com reproduções dessas gravuras; indagar se não gostariam também de observar os costumes de então;
como seriam, por exemplo, as roupas do tempo da Independência, ou as casas
quando Maurício de Nassau morou em Pernambuco, – mostrar reproduções dos
desenhos ou pinturas de Debret, de Wagner ou Frans Post; falar diretamente ao coração das crianças para que elas sintam e
avaliem devidamente a importância desses desenhos antigos, graças aos quais
ainda conservamos um reflexo dos aspectos e costumes de um temo que já foi
vivido em “carne e osso” – assim como estamos a viver agora – e, para sempre,
passou.
3º exemplo – Desenho como for meio de expressão
plástica, ou desenho de criação:
Reconhecer que a fotografia reproduz as coisas com muito maior
perfeição que o desenho, mas que, apesar disso, o desenho lhe leva vantagem
porque a fotografia, normalmente só reproduz o que vemos: – o alcance dela é,
portanto, limitado, ao passo que o desenho cria formas livremente e reproduz e
exprime tudo que imaginamos ou sentimos, – o seu horizonte, assim, não tem
limites; não nos é possível, por exemplo, fotografar a nossa alegria, a
nossa dor ou a nossa angústia, senão de uma forma convencional e um tanto
primária, procurando com a objetiva temas que correspondam, de algum modo, a
qualquer desses estados de espírito, ou então recorrendo, artificiosamente, à
fotomontagem; com o desenho, da mesma forma que com a dança, o canto ou a
palavra, podemos dar plena expansão àqueles sentimentos; mostrar como o desenho é capaz de acompanhar, sem esforço, todas
as divagações da nossa fantasia; graças a ele podemos inventar formas inexistentes, combinar bonitos
arranjos inexequíveis, balançar meninas gordas em frágeis ramos de roseira,
fazer o mar vermelho, a terra azul (*a terra é azul, Gagarin), – tudo é possível com o desenho;
dar, ainda, como exemplo, o sonho: não se pode fotografar o sonho,
podemos, entretanto, desenhá-lo, com todos os seus aspectos imprevistos e os
seus mais extraordinários pormenores;
lembrar que o cinema também tem esse poder mágico, mas o cinema
não revive o nosso sonho e
sim outro sonho qualquer, reconstituído com tremendo esforço, à custa do
trabalho de muita gente, de mil artifícios e muito dinheiro: desenhar é mais
fácil – está ao alcance da nossa mão; esclarecer, finalmente, que tais exemplos permitem diferençar de
um modo literário e superficial o desenho de criação dos demais, mas não o
explicam na sua essência como arte
plástica, – resíduo a
que afinal se reduz e significa sobretudo forma; é que somente na Quarta Série, com o desenvolvimento natural do
curso, essa qualidade plástica fundamental do desenho como arte poderá ser devidamente
apreendida pelos alunos.
2. Primeira
Série
O
desenho, na primeira série do curso, deverá ser todo ele feito à mão livre e
terá por principal objetivo – além de servir de iniciação ao desenho de
imaginação –, familiarizar a criança com o desenho de forma expressivas do
ponto de vista plástico e habituá-la a fazer indicações gráficas de um modo
sumário, mas com relativa correção. Outrossim, para orientar melhor o professor
e facilitar a compreensão dos alunos, seria conveniente a impressão de pranchas
especiais com numerosas reproduções, em preto e branco e em cores, visando
ilustrar cada uma das fases do curso nos seus três rumos distintos.
d) Iniciação
ao desenho técnico
Para que as crianças percebam mais depressa o sentido e a
utilidade do desenho sumário ou esquemático, seria talvez conveniente iniciar
os trabalhos com mais um exemplo no gênero dos anteriores, isto é, com uma
referência às histórias de mistérios e piratas de que, nessa idade, elas tanto
gostam e onde sempre aparece um mapa-roteiro – ou seja, precisamente, um
desenho esquemático – com a indicação do caminho a seguir para encontrar o
tesouro escondido: “ …. aqui há um rio, do outro lado do rio uma cabana, além
da cabana uma árvore, ao pé da árvore uma pedra, debaixo da pedra tem um cofre,
dentro do cofre está o tesouro …”
Fazer então o aluno desenhar um pequeno retângulo representando a
própria carteira vista de cima, para ele ter assim, logo de início, a idéia de
“planta” ou de “projeção horizontal”; indicar depois, no mesmo desenho, o conjunto da classe vista
também de cima e tendo como ponto de referência a carteira; reparar nas
proporções da sala, se é mais larga ou comprida, quantas vezes, mais ou menos
(vez e meia, duas vezes?); localizar a mesa do professor, o quadro negro, as janelas, a
porta; em seguida, fazer outro desenho indicando o corredor ou galeria
com referência à classe; situar a escada de acesso e a entrada da escola com referência à
classe; situar a escada de acesso e a entrada da escola; observar a posição desta em relação ao nascente e anotar, no mesmo
desenho, a orientação; fazer outro desenho indicando o percurso da escola à casa, quantas
vezes dobra para a direita, quantas vezes para a esquerda; havendo alguma coisa importante no percurso – uma praça, um cinema,
uma igreja – anotar; marcar a posição da casa em relação ao quarteirão e deste em
relação ao bairro; mostrar aos alunos a planta da cidade, localizando nela o bairro e
a escola; confrontar trechos da planta com aspectos fotográficos
correspondentes; fazer o aluno desenhar sumariamente a planta da cidade indicando
seu bairro e os demais, o caminho até à cidade, outros caminhos importantes,
bem como os monumentos principais que conhece; usar cores diferentes para que os desenhos fiquem mais fáceis de
entender e mais bonitos;
fazer outro desenho com vários tipos de convenções cartográficas:
estrada de rodagem, caminho de ferro, rio, ponte, bosque, passagem de nível,
pântano, etc.; completar a noção de planta com a de “alçado” ou “elevação” e a de
“corte”;
desenhar em planta um morro inventado com as suas curvas de nível
e alçar o correspondente perfil; dar noções de escala, o “petipé” ou escala desenhada; vantagem do emprego da “polegada” nos trabalhos gráficos por causa
de suas subdivisões sempre pares: 1/2, 1/4, 1/8, 1/16, etc.; dividir a olho
um segmento de reta em partes iguais, aos pares: primeiro ao meio, de pois
cada metade de novo ao meio e assim por diante;
desenhar, sempre a mão livre, figuras geométricas planas regulares
e corpos sólidos: o quadrado, o triângulo eqüilátero, o círculo, a esfera, o
cilindro, o cone, o prisma, a pirâmide;
desenhar também ferramentas novas
vista de frente e de perfil, sem “sombrear”: o martelo, a plaina, etc., e ainda
instrumentos de formas geométricas definidas como, por exemplo, o violão.
e) Desenho
de observação
Os primeiros modelos para essa modalidade de desenho deverão ser
objetos produzidos pela indústria regional popular, desses que ainda se vendem
nos mercados no interior do pais: bichos de barro pintado, vasos, moringas,
cuias, esteiras, tecidos de algodão, bonecas, redes, modelos de jangadas, etc.,
não só por haver uma certa correspondência ou equivalência, entre o estado
mental das crianças na idade em que ingressam no curso secundário e o dos artistas
anônimos que produzem tais obras, como pelo extraordinário sabor, pelo
interesse humano e pelo alto teor plástico de que elas se acham impregnadas,
sendo, assim, do maior interesse que as crianças assimilem desde cedo desse
precioso vocabulário; poder-se-á recorrer também, a material etnográfico, além do
folclórico, – armas, utensílios
diversos, cerâmica; conviria que o Museu Nacional fornecesse às escolas
reproduções de pequenas peças originais de cerâmica de Marajó e
de Santarém, mas proibir terminantemente o emprego, como modelo,
de cerâmica feita agora com “estilizações” marajoara, seja ela de que
procedência for.
f)
Desenho de Criação
Insistir no confronto entre as possibilidades limitadas da
fotografia e as possibilidades ilimitadas do desenho;
mostrar aos alunos quais são os processos técnicos de que podem
dispor na classe: papel branco, papel de cor, desenhos feitos com lápis comum,
preto ou de cor, ou com tinta e escrever e outras, e desenhos maiores feitos ao
carvão e giz de desenho ou com guache e aquarela; mostrar também como desenhar com o próprio pincel; fazer a criança encarar a folha branca, cujo
“silêncio” vai ser rompido; estimular a imaginação delas fazendo referência a sonhos
extraordinários, a lendas e contos antigos;
também se poderá recorrer, com vantagem, a certos trechos da
mitologia ou da história sagrada; deixar, porém, depois o aluno escolher livremente o seu próprio tema e desenhar como entender,
com as cores que preferir; o professor não deve intervir de forma alguma, nem mesmo,
indiretamente, sugerindo cores, aconselhando determinados arranjos ou mostrando
figuras; deve deixar as
crianças divagarem com a mais absoluta liberdade de deve, principalmente, achar
sempre bom e bonito tudo aquilo que fizerem, a fim de restabelecer a confiança
perdida, aguçar o espírito de invenção e manter sempre alertas a curiosidade e
o interesse delas.
No intuito de evitar que o critério pessoal, muitas vezes viciado,
dos professores de desenho, possa perturbar a boa orientação natural dos alunos,
desvirtuando-se assim a própria finalidade do ensino, será melhor não dar notas
aos trabalhos.
A classificação poderá ser feita indiretamente, em função do maior
ou menor interesse demonstrado pelos alunos, pois é de presumir-se que os mais
dotados demonstrem sempre interesse maior; classificação que será feita por
grupos e poderá variar, para um mesmo aluno, conforme a modalidade de desenho
encarada; os classificados no primeiro grupo, tanto em desenho técnico como em
desenho de observação e de criação, serão considerados os primeiros alunos da
classe.
3. Segunda
Série
g) Desenho
técnico
Mostrar os instrumentos de desenho e familiarizar o aluno com o
uso deles: o T, os esquadros, o duplo decímetro, o metro de dobrar, a trena, o
tira-linhas, a “pena-grafos”, o compasso, o transferidor, o compasso de medir,
o pincel e o godê; fazer o aluno traçar linhas de várias espessuras e dar aguadas
simples de tons uniformes e aguadas sobrepostas;
desenhar letras e algarismos de tipo “clássico”, em grande formato e desenhar títulos e
legendas com letras de chapa e
com emprego de normógrafo (as
chapas e o normógrafo, assim como o metro de dobrar e a trena, devem pertencer
à classe);
dar noções de desenho geométrico ensinando a desenhar as
principais figuras constantes dos manuais elementares e desenvolver a noção de
escala: escalas de 1/10, 1/20, 1/25, 1/50 e 1/100; dizer o que é cota e
mostrar como deve cotar: cotas independentes e cotas adicionadas; dar também noções elementares de desenho projetivo: projeção,
planos de projeção horizontal e vertical; linha de terra; ordenadas e abscissas;
rebatimentos simples; explicar o que se entende por perspectiva sem pontos de fuga ou
“cavalera”, e acentuar a utilidade dela para trabalhos de oficina, uma vez que
os lados da peça desenhada também podem ser medidos; mostrar as convenções usuais do desenho técnico, em preto e branco
e em cor; a madeira, o ferro, o concreto, o tijolo, etc.; a fim de despertar o interesse dos alunos, sempre curiosas de
coisas reais e de aplicação
prática, fazer desenhar uma seção de madeira 3”x 9”, ou seja a couçoeira, de acordo coma
convenção correspondente e, ao lado, a mesma peça desdobrada em duas, primeiro ao alto , depois ao baixo;
em seguida desdobrada em três e quatro caibros,
finalmente em ripas; desenhar vergalhões de ferro de vários diâmetros e os perfis de
cantoneira, do T, do duplo T, do Trilho, tudo com as aguadas convencionais; desenhar chapas perfuradas vistas de frente e chapa onduladas
vistas de perfil;
desenhar também tecidos de arame de malhas graúdas, peças dentadas
ou outras de contornos bem definidos e de bonito aspecto; e ainda visando desta vez principalmente o interesse das meninas,
desenhar moldes de roupas, tal como são apresentados, por exemplo, nos
figurinos Mac Call; antes de começar qualquer desenho com auxílio dos instrumentos, o
aluno deve fazer um pequeno esboço, em escala reduzida e à mão livre, num dos
cantos do papel, para compreender direito aquilo que vai fazer.
h) Desenho
de observação
Lembrar que a fotografia, utilizando microscópio e telescópio,
penetrou regiões até então inacessíveis à documentação, revelando-nos, assim,
as formas de surpreendente beleza do mundo que não vemos, tanto no que se
refere a imensidade dos espaços celestes, como no que diz respeito à
constituição da matéria orgânica e mineral;
submeter à apreciação da classe ampliações fotográficas dessa
documentação e fazer desenhar, a título de exercício e tendo em vista o desenho
de criação, as formas de aparência irreal ai contidas; fazer o aluno desenhar
também, logo em seguida, baseado nas estampas dos livros de história natural,
mas em tamanho maior e usando cores, as formas funcionais caprichosas e
torturadas de certos órgãos, como os do aparelho digestivo, por exemplo, formas
que se poderia classificar como dramáticas em contraposição
aquelas formas líricas: confronto necessário para que o aluno se
vá aos poucos familiarizando com a natureza diferente das formas e o que se
convencionou chamar o seu “espírito”; acrescentar ao desenho das peças de folclore e etnográficas os
desenhos de cristais de rochas e outras variedades de quartzo colorido e também
o desenho de conchas, caramujos, estrelas-do-mar classificadas e de certos
ossos de plástica excepcionalmente pura, como o da bacia, – desenhos feitos do
natural ou de moldagem do natural e sempre com a intenção de levar o aluno a
uma perfeita compreensão das formas do modelo e a sentir o que está fazendo; visando estabelecer o nexo natural existente entre o desenho de
observação e o desenho de criação, seria da maior conveniência chamar aqui a
atenção das crianças para o fato de que geralmente olhamos as coisas sem
verdadeiramente as ver, como se olhássemos através; assim, por exemplo, quantas vezes nos surpreendemos frente a uma
velha casa por onde passamos diariamente, anos a fio, sem que nunca houvéssemos
atentado à sua cor, a forma da janelas, ao rendilhado do beiral e tantas outras
particularidades inconfundíveis; entretanto, estejamos onde estivermos e seja qual for a direção
para onde nos viremos, deparamos sempre com uma infinidade de formas de
natureza diversa, formas ricas de conteúdo plástico e de configuração bem
definida, embora a agenciadas ao acaso e constituídas por objetos prosaicos: a
forma de uma capa jogada sobre a cadeira, a forma de um jornal amassado no
chão, a forma de um canto de mesa ou sofá, a forma de uma moringa, a forma de
um gato enrodilhado, ou de um arabesco de papel de parede; e não somente formas, mas também planos, como por exemplo, o
encontro dos planos dessa parede com o plano do chão e a relação destes com os
planos da mesa e do sofá; e, ainda, cores: o azul de uma camisa de meia desbotada na “terra
queimada”da tez de um crioulo, o amarelo limpo de uma blusa nova, os vários
cinzas dos remendos da calçada de encontro ao branco ou ao rosa e ocre de uma
caiação.
Aprender a ver é o
principal segredo da arte do desenho; ver cada forma com seu caráter próprio,
como se a víssemos pela primeira ou pela última vez, e acentuar-lhe, de modo
incisivo, no desenho esse caráter; formas flácidas, formas delicadas, formas
rígidas, formas ásperas, formas duras;
alertar ainda os alunos para que observem atentamente as pessoas e
as cenas caseiras ou da rua, visando não apenas o seu aspecto humano e
anedótico, senão também a procura da forma por si mesma, ou seja, desprendida
do seu objeto, a fim de se capacitarem melhor para “os exercícios plásticos”
referidos adiante; e, para concluir, mostrar como nessa procura obstinada da forma,
o desenho de observação e o desenho plástico – conquanto diferentes de intenção
– tantas vezes se confundem.
i)
Desenho de criação
Começar o que se poderia denominar exercícios de formas ou
“exercícios plásticos”, e que consistiriam em associar ao desenho de
imaginação, os elementos de folclore anteriormente adquiridos, as formas
naturais e orgânicas do desenho de observação, tudo disposto livremente ao
gosto do próprio aluno, sem qualquer intervenção do professor senão essa de
recomendar tal associação em um mesmo desenho;
devendo-se, contudo, assinalar a importância do modo de utilizar o
espaço branco da folha, seja de forma mínima, com alguns traços apenas, seja
enchendo-o literalmente, porquanto a disposição, no retângulo do papel, dos
pontos, linhas e manchas que constituem o desenho, cria, desde logo,
determinadas relações plásticas entre as partes desenhadas e as partes deixadas
vazias, relações estas que também vão participar da composição e contribuir
decisivamente para a sua expressão plástica definitiva; tratar também, nesta série, do desenho das artes aplicadas,
utilizando, para esse efeito, como referência e ilustração, a indumentária
através dos tempos, bem como os trajes regionais dos diferentes países, tendo
em vista não somente apreciar os variados temas da composição ornamental, como,
principalmente, registrar as curiosas mutações do gosto e a evolução das formas
segundo o estilo de cada
época;
exemplificar para que os alunos percebam a dupla acepção dessa
palavra, conforme se aplique a coisas contemporâneas ou passadas: quando um
vaso, uma roupa, um móvel, uma estrutura apresentam corte ou feitio elegante e
apropriado, diz-se que “tem estilo”, qualidade que os distingue e lhes confere
certo caráter de permanência, porquanto, vencida a fase ingrata de “coisa
velha”, estarão antigos e,
graças àquela qualidade original, continuarão belos ainda quando deixarem de
servir – é que, já então, serão
considerados “de estilo”, ou seja, de um estilo
histórico determinado; abordar, ainda, a título principalmente de informação, estímulo e
sugestão, mas visando igualmente experimentar as preferências naturais de cada
um, algumas outras aplicações do desenho de criação, tais como: o desenho na
cenografia, mormente no que respeita ao “ballet”, domínio legítimo das artes
decorativas e onde a fantasia tem campo ilimitado, recorrendo, para exemplo, a
reproduções coloridas de cenários e vestuários, segundo risco dos mestres
consagrados; o desenho nas artes gráficas, de preferência à vista de exemplares
de boas edições antigas e modernas, ou fac-similes,
seja requisitando os volumes especialmente, ou levando a turma à biblioteca
local para esse fim; chamar a atenção dos alunos para a composição dos títulos,
cabeçalhos e legendas, para os vários tipos de letras, a sua disposição na
página e todas as demais particularidades de cada livro; o desenho aplicado à arte de fazer cartazes e, técnica especial da
propaganda, no seu bom sentido, uma vez que o uso comercial imoderado e as
deformações decorrentes dos conflitos ideológicos atuais, tem comprometido o
seu alcance como meio normal e legítimo para fazer valer reivindicações de
várias naturezas, inclusive política, e para difundir a educação popular
principalmente no que respeita às imposições da higiene e amparo a medicina
preventiva, às regras da civilidade, aos princípios da ética e aos deveres do
cidadão, para fazer de cada criança um adulto são, cortês, decente e cioso dos
seus direitos e obrigações;
finalmente, o desenho aplicado às várias modalidades de
ilustração, inclusive a caricatura e o desenho de modas, visando-se aqui, de
preferência, as meninas.
4. Terceira
série
j)
Desenho técnico
Prosseguir com o programa da série anterior, particularmente o
desenho projetivo, cuja finalidade não deve ser a de obrigar o aluno a fazer
“épuras” complicadas, mas a de levá-lo a conceber e situar os corpos e os
planos no espaço e a visualizar os movimento deles com relativa clareza,
explicar em que consiste o desenho de sombras próprias e sombras projetadas,
ponto brilhante e zona mais escura, reflexos; fazer o aluno desenhar por processos empíricos as sombras do
cilindro, do cone, da esfera e do toro, com aguadas sobrepostas;
fazer desenhar também os contornos de modelos de aviões de vários
tipos, vistos de frente, de cima e de perfil, conforme vêm reproduzidos em
fotos e revistas; e, ainda, as peças da estrutura, em madeira, de pequenos aviões de
armar; chamar a atenção dos alunos para a beleza desses aparelhos, beleza
resultante da economia de matéria – pois que ali nada é supérfluo – de uma
perfeita adaptação da forma à função; dar noções de perspectiva: o ponto de vista, o quadro, o horizonte
(alto, baixo ou normal), o ponto principal e os pontos de fuga; mostrar como a
“intenção” da perspectiva é dar a ilusão
da realidade; daí o entusiasmo e a sensação de encantamento que se apoderou de
toda a gente quando essa maneira ilusionista de representação gráfica foi
“descoberta” no Renascimento; citar, a propósito, o caso de Paolo Uccelo; fazer ver, porém, que a fotografia, reproduzindo todas as coisas
sempre em perspectiva, vulgarizou de tal modo essa concepção parada do espaço, onde
tudo converge para um ponto de vista só, que ela acabou por perder de todo,
para nós, o primitivo prestígio e aquele dom, já agora incompreensível, de
encantar; reconhecer que a perspectiva não passa, de fato, de uma convenção,
representando mesmo até, sob certos aspectos, um empobrecimento e uma
limitação, porquanto, tendo os corpos, no espaço, todas as suas faces
igualmente visíveis, pode-se perfeitamente conceber que o observador se afaste mais para um lado ou para outro, para
cima ou para baixo, conforme a conveniência de mostrar melhor e no mesmo
desenho um ou outro aspecto da coisa representada;
essa concepção mais livre e mais rica do espaço, em que os objetos
são desenhados, vistos simultaneamente de vários pontos diferentes, é o que,
hoje em dia, nos surpreende e encanta, enquanto a perspectiva
propriamente dita deixa-nos indiferentes; assim, por exemplo, compreendemos agora que, quando as crianças
pequenas ou os artistas chamados primitivos
desenham superpostas figura vistas em planos sucessivos e indicam ao mesmo
tempo a frente e os lados dos objetos desenhados, não estão de forma alguma a
fazer desenhos errados, mas procurando explicar melhor, uma
vez que nos mostram, em um mesmo plano, coisas situadas em planos diferentes e
que de outra forma não poderíamos ver;
o mesmo se sucede com os artistas modernos
quando, obedecendo a esse princípio mais complexo de representação, – que de
certo modo corresponde aos rebatimentos do desenho projetivo –, pintam figuras
vistas a um tempo de frente e de perfil; para esclarecer definitivamente aos alunos, citar ainda, o caso
tão comum das “naturezas mortas” com tampos de mesa inclinados como se fossem
cair: não se trata ali de falta de perspectiva, mas, pelo contrário, de
perspectivas diferentes sobrepostas, pois não é o tampo que está virando, foi
simplesmente o ponto de vista
que mudou de posição.
k) Desenho
de observação
Acrescentar ao material já utilizado nas séries anteriores o
desenho da flora, feito do natural, começando-se pelas plantas de estrutura
mais compacta e de folhagem espessa e carnuda e passando-se depois, aos poucos,
para as de estrutura mais complexa e delicada; mostrar reproduções de desenhos
antigos com documentação dessa natureza afim de orientar melhor os alunos e
recomendar a observação das árvores e arbustos: o mamoeiro, a mangueira, o
tamarineiro, o ficus “benjamina”ou “religiosa”, cada qual com a sua forma
característica de tronco, de copa e de folhagem;
fazer desenhar também panejamentos, ou melhor, as dobras
caprichosas dos panejamentos, chamando em seguida a atenção dos alunos para as
diferenças de material, – a pedra, o pano, a madeira, a folha, a
flor, – e sugerindo que exprimam de maneira adequada, nos desenhos, essas diferenças
de contextura e de consistência; explicar porém, que não devem confundir essa matéria da coisa
representada com a “matéria” a que se referem os pintores quando aludem às
diferenças de tratamento, consistência e aspecto das superfícies pintadas, diferenças
resultantes do modo especial como é preparado o fundo e disposta a tinta, ou
seja, a matéria mesma com que a pintura é fabricada; visando o desenho de observação, antes do mais, a compreensão
da forma, não é preciso que o desenho seja ele igualmente acabado, podendo o
aluno fazer ao lado ou mesmo, em parte, por cima dele, pormenores em tamanho
maior, a fim de entender direito a passagem de certos planos, a nascença de
possíveis nervuras ou determinada articulação; fazer ver como, no desenho, cada traço, por insignificante que
pareça, contribui para o efeito final, assim como cada palavra, quando se
escreve, concorre para dizer alguma coisa: os traços inúteis
devem portanto ser evitados, pelo mesmo motivo
por que se evitam palavras desnecessárias na redação.
l)
Desenho de criação
Continuar com os “exercícios plásticos” iniciados na série
anterior, enriquecendo-se o primitivo vocabulário com as novas formas sugeridas
pelo desenvolvimento dos desenhos técnico e de observação; dar aos alunos, de preferência no segundo período, as primeiras
noções de composição, começando por definir o que seja composição
plástica, – “conjunto de pontos, linhas, planos, volumes ou cores
dispostos de acordo com certas normas e visando a uma determinada intenção
plástica”; esclarecer que não se trata aqui apenas de obras de arte –
pintura, escultura e arquitetura – mas, também, da composição de objetos e
utensílios de uso corrente, pois ainda mesmo quando a fabricação de tais
objetos obedece a um critério rigorosamente funcional – como é desejável –,
fica sempre uma certa margem de liberdade e de opção, sujeita à preferência ou
ao gosto pessoal – ao sentimento, enfim – daquele, ou daqueles que lhe fixam a
forma plástica definitiva de execução; definir, em seguida, o que vem a ser partido, numa composição plástica, – “a escolha e fixação do
sentido geral a prevalecer na disposição dos pontos, das linhas, dos planos,
dos volumes ou das cores”; depois, e sempre com referência à composição plástica, definir
sucessivamente:
cadência, –
“espaçamentos iguais repetidos uniformente”;
ritmo,
– “espaçamentos ou alturas desiguais uniformentente repetidos ou alternados”;
relação, – “o confronto entre duas
partes”;
proporção, – “a equivalência ou o
equilíbrio de duas relações”;
comodulação, – “o conjunto das proporções
das partes entre si e com relação ao todo”;
harmonia, – “a subordinação de todas as
partes a uma determinada lei”;
eurritmia, – “comodulação harmônica
integrada em ritmo perfeito”;
e finalmente, modenatura, – “o modo particular como é tratada,
plasticamente, cada uma das partes da composição”;
para que os alunos percebam a diferença entre cadência e ritmo,
explicar que a cadência constitui como que a trama invisível de fundo sobre o
qual o ritmo se insere; mostrar também como dois objetos de mesma natureza, baseados no
mesmo partido de composição, apresentando a mesma comodulação e obedecendo a um
mesmo estilo, podem entretanto parecer diversos, apenas por causa das
diferenças de modenatura ou modinatura; assim, por exemplo, é por uma questão de modenatura – isto é, pelo modo particular como são
tratadas, plasticamente, cada uma das suas partes –, que as carrocerias de dois
automóveis fabricados no mesmo país, no mesmo ano, ambas do mesmo tipo, tamanho
e cor e com o mesmo acabamento, consequentemente do mesmo estilo, podem parecer
diferentes de aspecto: uma elegante e bonita, outra pesada e sem graça; mostrar como é ainda a modenatura que dá aparência tão
diferenciada a rostos de comodulação muitas vezes idêntica; fazer ver que as proporções e respectiva comodulação não são
qualidades ideais constantes, mas variam em função do material empregado; assim, por exemplo, a sensação de robustez, resultará de uma escala de valores diferentes e
apresentará, portanto, comodulação distinta conforme se expresse em termos de
pedra, ou metal; explicar o que se entende por “corte de ouro”: quando se divide um
segmento de reta ao meio, as duas partes resultante sendo absolutamente iguais,
o equilíbrio é perfeito, – há simetria; se deslocarmos esse ponto central para
um lado ou para outro, as partes ficam desiguais e o equilíbrio se rompe; há porém um ponto nesse percurso indeciso entre o centro e uma das
extremidades do segmento, em que a parte menor comparada com a maior, está na mesma
relação em que esta parte maior comparada com a soma das duas, quer dizer, com
o segmento inteiro; esse ponto não é, por conseguinte, um ponto qualquer, mas
corresponde a uma divisão precisa na qual o equilíbrio entre as duas partes,
conquanto desiguais, se restabelece, – há de novo, simetria; é a essa equivalência de relações, ou seja, a esta proporção, que
se dá, comumente, o nome de “corte de ouro”;
esclarecer que, para os gregos, simetria (com metro) – da mesma
forma que “comodulação” (com módulo)
para os romanos – não significava apenas o equilíbrio primário resultante do
rebatimento em torno de um eixo,
como entendemos agora, mas todas as demais formas de equilíbrio plástico, a
começar por esse corte de ouro,
ou phi, considerado por eles
como a “divina proporção”; esclarecer também a noção de escala, com relação à composição: escala humana, ou funcional, escala plástica, ou ideal, e escala teórica, ou abstrata; mostrar como na escala humana, ou funcional, a unidade de medida –
o “palmo” ou o “pé” – é tirada do nosso próprio corpo, havendo assim uma
relação obrigatória de medida entre a coisa fabricada e a figura humana; submeter à apreciação dos alunos fotografias de arquitetura
popular de várias procedências (arquitetura por sua própria natureza sempre
condicionada às necessidade e à medida
do homem), e fotografias de construções góticas, mostrando, depois, como tanto
num como noutro caso logo se tem a idéia do tamanho relativo da
figura humana, e portanto, das verdadeiras dimensões
da construção; na escala plástica, ou ideal, o mesmo não ocorre, uma vez que se
adota ali como unidade de medida, uma parte qualquer da coisa fabricada, ou
seja, o “módulo”, estabelecendo-se, em consequência, uma certa relação das
partes entre si, mas nenhuma relação obrigatória
com a nossa própria escala humana; exemplificar, mostrando a fotografia de um templo grego qualquer;
se não existir, nas suas proximidades, uma árvore, um animal ou alguém, não se
poderá nunca ajuizar das dimensões reais
do monumento; esclarecer assim aos alunos que as relações da arquitetura dita
“clássica”com o corpo humano, eram relações de proporção apenas, não de escala; mostrar finalmente como na escala teórica, ou abstrata, a unidade
de medida, isto é, o “metro”, representa nada menos que a quadragésima milionésima parte do quadrante terrestre, ou
seja, na realidade, uma abstração, e assim, neste caso as medidas da coisa
fabricada não estão nem mais relacionadas com a nossa própria figura, nem de qualquer forma tampouco articuladas entre
si;
quando se dizia, por exemplo: uma janela de seis por oito palmos
ou de três módulos por cinco – isto tinha um sentido plástico bem definido, era
uma relação clara e precisa que se fixava; quando dizemos agora: a janela terá
1,12 m x 1,87 m, – isto não significa, plasticamente, em verdade, coisa alguma;
dar ainda aos alunos, para concluir, algumas noções ligeiras sobre
cor, reportando-os, para maiores esclarecimentos, ao curso de ciências; decomposição das cores; cores primárias
ou geradoras: azul, o vermelho e o amarelo, ou seja, cores que, reunidas
fisicamente, restabelecem a luz branca, e cuja mistura química resulta
indefinida e cores compostas
ou derivadas: laranja verde e o roxo; esclarecer que o branco é a presença de todas as cores, ao passo
que o preto é a ausência delas;
cores complementares: explicar que o azul, por exemplo, se diz
complementar do laranja, porque, resultando o laranja da combinação das cores
primárias vermelho e amarelo, é o azul a outra cor primitiva necessária para que,
conjuntamente, restabeleçam a luz branca; da mesma forma o vermelho é a complementar do verde e o amarelo do
roxo; fazer ver como as cores complementares se valorizam pela
aproximação, sendo sempre o ponto de encontro delas o de maior vibração, e como se anulam pela
mistura; mostrar o efeito harmônico que se pode
tirar do emprego das complementares ou do jogo de cores frias e quentes
e o efeito melódico do tom sobre
tom, da prevalência de uma
determinada cor, de cores afins ou de uma determinada tonalidade; noção de intensidade e valor: fazer ver como certas cores, ainda
quando aplicadas de modo pouco intenso, trazem os planos à frente, o vermelho e
o amarelo, por exemplo, enquanto outras, como o azul, os afastam; acentuar também como a presença do branco é indispensável para a
valorização de qualquer cor, e assinalar, por fim, como são ilimitadas as
possibilidades de combinação das cores, donde as diferenças e peculiaridades da
paleta de cada pintor: alguns
usam-nas limpas e se comprazem dessa pureza, outros as recortam e misturam
sistematicamente com preto, outros, ainda, só as empregam amortecidas ou
veladas, por entenderem de mau gosto a sua aplicação na limpidez decorativa
original; concluir, então, mostrando aos alunos como todas essas variadas
maneiras de conceber e fazer pintura estarão certas dentro dos
limites de uma determinada intenção, mas erradas como tabu.
5. Quarta
série
Nesta quarta e última série, os alunos, já suficientemente
informados, pela própria experiência, do alcance e das limitações de cada uma
das três modalidades de desenho em que o curso se subdivide, poderão dedicar-se
a uma delas apenas, com exclusão das demais, ou a duas conjuntamente, se o
preferirem assim: seja ao desenho técnico, prosseguindo então no desenho de
peças e modelos apropriados; seja ao desenho de observação, continuando com o desenho de
plantas, inclusive flores e, possivelmente, também o de insetos, mas procurando
sempre variar os processos técnicos de execução – às vezes a lápis, de traço
fino ou encorpado, outras vezes diretamente à pena, outras, ainda, à aquarela
ou ao guache; ou seja, finalmente, ao desenho de criação, aplicando aos exercícios
plásticos as noções elementares de composição aprendidas na série
anterior.
Seria, entretanto, de toda conveniência que o professor
completasse o curso com alguns esclarecimentos sobre as artes plásticas em
geral – a pintura, a escultura e a arquitetura –, mostrando, por exemplo, como
todas se baseiam no desenho de criação, embora as duas primeiras possam recorrer,
em maior ou menor grau, ao desenho de observação, seja para fazer dele o núcleo
mesmo da obra, seja utilizando-o como ponto de partida para a criação de formas
plásticas autônomas; e embora a arquitetura, arte em que o artista não executa a obra,
ele próprio, com as mãos, deva necessariamente recorrer ao desenho como “meio
de fazer”, ou desenho técnico, para se poder exprimir e realizar a obra concebida.
Enumerar os processos técnicos de execução de que as várias artes
se podem servir, explicar no que consistem e mostrar reproduções de trabalhos
feitos de acordo com tais processos – começar pelo desenho: desenhos feitos
diretamente sobre o papel à grafita, à pena, ao giz ou ao carvão, e desenhos
entalhados na madeira, abertos sobre chapas de metal ou riscos sobre pedra,
para o fim de se fazerem reproduções, como a xilogravura, a ponta-seca, a
água-forte ou a litografia; depois a pintura: pintura
mural a fresco, feita simultaneamente com o próprio reboco da parede; a têmpera, ou seja, ainda à base de água e ovo, mas sobre muro já
revestido ou madeira gessada;
a óleo sobre madeira, tela ou metal; a aquarela, guache ou pastel,
sobre papéis apropriados; em seguida a escultura: mostrar a diferença entre baixo-relevo,
alto-relevo e “ronde-bosse”; escultura em barro cozido, ou seja, a terracota;
escultura fundida, em metal de preferência o bronze;
escultura talhada na madeira; escultura lavrada na pedra – a pedra-sabão, o mármore, o granito; por fim, a arquitetura: construções feitas com pedra ou tijolo, em
que as paredes sustentam os pisos e a cobertura, e onde cada vão é, na verdade,
um buraco, engenhosa mas contraditoriamente aberto nesse elemento de
sustentação, e construções feitas com estruturas de madeira, aço ou concreto
armado e que não precisam das paredes
para ficar em pé, não passando, portanto, aí, cada vão, de um vazio que se
reduz a contento; mostrar como é natural que, em consequência disto, o aspecto de
umas e outras deva mesmo ser diferente, – no primeiro caso, sólido e denso, no
segundo, leve e vazado; fazer ver também como a decoração
se integrava naturalmente à estrutura dos edifícios e ao respectivo mobiliário:
é que as técnicas de então ainda eram as do artesanato, ou seja, as da confecção manual, resultando daí
possuírem interesse a um tempo artístico e humano tanto o lavor dos artefatos
de uso corrente como o dos diversos elementos constitutivos da estrutura das
casas, ou complementares dela, – tal
como ainda hoje ocorre com a indústria popular regional de vários
países, ao passo que na produção industrializada, própria da técnica moderna,
os ornatos são repetidos por processos mecânicos, já não apresentando mais,
portanto, aquela qualidade essencial que lhes dava vida e significação; insistir neste ponto, porquanto essa falta de base legítima é o
que dificulta a revivescência moderna das “artes decorativas” – salvo alguns
casos excepcionais, elas são, por definição, incompatíveis com o espírito e a
técnica do nosso tempo; ainda quando os modelos originais sejam concebidos com gosto, ou
quando os ornatos sejam dispendiosamente trabalhados à mão, tudo não passará de
uma contrafação erudita ou de um capricho de nababo em completo desacordo com a
expressão lógica das tendências naturais
da técnica e o sentido da vida social contemporânea; a intenção artística na produção dos utensílios e
equipamentos da vida moderna deve concentrar-se, pois, unicamente, no propósito
de um perfeito ajustamento da forma à função, no apuro da respectiva
modenatura, na boa qualidade e aparência do material empregado e no esmero do
seu acabamento, – no mais, aquela intenção se manifestará através da pureza
plástica da nova concepção arquitetônica (tal como já o testemunha o próprio
edifício do Ministério da Educação e Saúde), à qual se irão integrar, não mais
como elementos ornamentais subsidiários,
com função, com função meramente decorativa, mas com valor plástico próprio, as
demais artes ditas maiores.
Indicar os vários fatores que condicionam e limitam
as obras de arte: o meio físico e social, a técnica adotada, a época, as
correntes de idéias, o desenvolvimento natural e autônomo das formas, tudo
ainda sujeito à atuação pessoal e imprevisível dos artistas de gênio, eles por
sua vez, também subordinados às mesmas limitações; explicar que o estilo decorre sempre, em grau maior
ou menor, de todos esses fatores, – é a soma deles; fazer ver aos alunos como
é, portanto, pueril pretender-se reviver, artificiosamente, os estilos do
passado, estilos que se podem classificar como “históricos”.
Mostrar como o conceito de beleza, em arte principalmente, não é
absoluto, mas relativo: ele varia não só de uma época para outra época, como de
um povo para outro povo e mesmo, numa determinada época e num determinado povo,
de um artista para outro artista; as obras de arte parecerão, assim superiores
ou inferiores conforme o ponto de vista particular por que forem encaradas; gravuras japonesas do século XVIII, por exemplo, ou uma pintura
persa antiga, poderão ser consideradas superiores quanto à graça ou à elegância
a uma escultura egípcia, não o serão, entretanto, quanto a monumentalidade e à
força; para um arquiteto grego do quinto século antes da nossa era, as
catedrais góticas não teriam passado de confusos aglomerados de pedras, mas em
compensação, para os artistas da Idade Média, o Parthenon teria seguramente
parecido obra destituída de imaginação; mostrar aos alunos reproduções dessas obras: a estátua egípcia ao
lado da gravura japonesa e da pintura persa, o templo grego ao lado da catedral
gótica, sobretudo a fachada de Amiens; mostrar, ainda, reproduções de outras obras de arte
convenientemente escolhidas: um profeta do Aleijadinho e uma de suas portadas, na vizinhança de um apoio
ateniense e de um pórtico paladiano;
um ídolo africano junto a uma madona prerafaelita; a “Anunciação” de Fra Angelico defronte do “Juízo Final” da
Sixtina; Ingres e Delacroix; Cézanne e Matisse; concluir, reconhecendo, juntamente com os alunos, a
impossibilidade de se estabelecer um estalão de medida capaz de dosar
a maior ou menor beleza artística de obras que são, como essas, expressões
legítimas de épocas, raças, culturas, concepções e temperamentos diferentes:
é que na verdade, todas são belas, – cada qual à sua maneira; daí a diferença entre ciência e arte, sintetizada no aforismo do
poeta: a ciência evolui, a arte se transforma; lembrar aos alunos como, anteriormente ao aparecimento dos
processo fotográficos de documentação – já agora realizados com movimento, som
e cor, – só se podia registrar, graficamente, a figura dos grandes personagens
ou das pessoas queridas, os acontecimentos importantes, as belas paisagens,
etc., por intermédio do desenho ou da pintura;
tal circunstância, ou melhor, tal contingência, levou-nos, muito
naturalmente, a confundir esse objetivo acidental de documentação com o
objetivo “plástico”, este sim, fundamental na obra de arte, resultando daí que
muita gente, mesmo culta, ainda ajuíza do valor de uma pintura apenas pelas
suas qualidades documentais ou anedóticas; a verossimilhança do arranjo, o colorido adequado, a propriedade
dos atributos, a perspectiva, etc.
Seria pois conveniente o professor desenvolver um pouco a
exposição, a fim de que as moças e rapazes aprendam devidamente essa questão
básica, sem o que nunca poderão compreender no seu verdadeiro sentido as obras
de arte, tanto modernas como antigas; mostrar, por exemplo, que os aperfeiçoamentos técnicos ocorridos
nas últimas décadas do séculos passado e mais recentemente, levaram a
fotografia a absorver, aos poucos, para si a tarefa documental, tornando-se
então mais viva, nos artistas, a consciência de que o objetivo principal da sua
arte não estava propriamente ali: sugestionados pelos ensinamentos da física e
compenetrados da necessidade de ir além da fotografia – embora deixando-se influenciar
por ela na escolha dos motivos e na aparente ausência de composição,
– foram eles, primeiro, levados a conceber a cor como simples fenômeno luminoso
e assim, inversamente, a pretenderem dar a impressão de luz, na tela,
decompondo as formas em um sem número de manchas ou partículas de cor; fazer com que os alunos reconheçam a importância dessa nova
concepção impressionista da pintura e o quanto foi valiosa a sua
contribuição, mas fazer também com que compreendam como, deixando-se levar,
muitas vezes, pelos excessos de “ar livre” e pela obsessão de pintar a
luz, ela teria mesmo de conduzir, mais cedo ou mais tarde, uma reação
no sentido de subordinar o jogo inconsistente dos efeitos de luz à realidade
plástica da forma e da cor; citar Cézanne, esclarecendo que a pintura dele é considerada
importante principalmente porque marca o começo dessa reação, isto é, a procura
de novo da forma plástica, ainda como impressão, mas impressão de
massa e volume, não de luz;
ilustrar a explicação com reproduções em cor de pinturas de
Cézanne e outras, depois, de Renoir, para que os alunos vejam como a procura da
forma também se concilia com os processos da técnica impressionista.
Mostrar finalmente, ainda, como a consciência da distinção entre
os objetivos plástico e documental, tão bem integrados numa coisa só, na obra
de Vermeer, por exemplo, levou os artistas a se afastarem cada vez mais daquela
sujeição multissecular ao modelo e, – pois que existem processos
mecânicos de reproduzir e documentar as coisas com maior rapidez, fidelidade e
precisão, – a se utilizarem das formas naturais dessas mesmas coisas apenas
como ponto de partida, decompondo-as e dispondo delas, livremente, como
elementos avulsos de forma e de cor, ou seja, temas e motivos plásticos para compor
e expressar-se assim como os músicos se expressam e
compõem composições onde o fator emotivo e passional tem, também, a sua parte – exatamente como
ocorre na composição musical; submeter à apreciação dos alunos reproduções de pinturas e
desenhos de Picasso, Braque, Léger e esculturas de Lipchitz e Laurens; esclarecer que, sendo a significação de tais obras essencialmente
plástica, não se trata de saber o que representam, da mesma forma como ninguém
se preocupa em saber o que representam
um estudo de Chopin, uma sinfonia de Beethoven ou as construções musicais de
Bach; é a complexidade mesma do nosso ser, sereno ou conturbado, que se
exprime em linguagem de forma e de cor; é este o conteúdo da obra de arte, a
sua verdadeira significação e esse o motivo por que, de procedências tão
diversas e remotas, fruto tantas vezes da miséria física ou moral e da
indigência, ela ainda assim, se apresenta sempre aos nossos olhos na limpidez
primeira do espírito que a criou.
E pela mesma razão porque não se obriga ninguém a
compreender ou a sentir a boa música, nem todos se devem,
tampouco, julgar obrigados a entender e sentir a
obra de arte plástica verdadeira, mormente quando, desprendida das escoras da
“imitações da natureza”, autônoma, ela se sustenta no muro ou no espaço por si
mesma.
Seria conveniente prevenir aqui os alunos contra certas
designações impróprias, embora de uso corrente, e umas tantas generalizações
simplistas atualmente em voga: a expressão “arte abstrata”, por exemplo, quando
aplicada aos mestres da arte moderna é de todo incorreta, pois nunca houve
artistas tão cônscios do valor concreto das formas; e tanto mais imprópria
porque confunde assunto e “representação” com conteúdo e “significação” quando
cabia discernir: não é por seu assunto ou pelo que representam, mas por seu
conteúdo plástico e significação, que as obras de arte antigas e modernas terão
vida perene; o grau de significação desse conteúdo é pois o que importa acima
de tudo, e uma obra constituída de formas e de cores – sejam elas organizadas
segundo preceitos naturalistas ideais, ou abstracionistas – terá sempre sentido
pictórico e plástico concreto, não se podendo considerá-la
“abstrata” senão do ponto de vista da coisa representada, isto é, do assunto;
daí a impropriedade daquela designação, pois se apega ao
secundário em detrimento do essencial; por outro lado, toda manifestação de
arte é necessariamente humana: o homem, com a sua paixão e o seu
eterno lirismo, estará sempre presente, ainda mesmo quando ela deixe de ser
figurativa ou expressionista e se apresente contida, formal e intelectualizada;
o recurso à figura, ao símbolo ou ao mito não é nem indispensável
nem incompatível com a técnica moderna das artes plásticas, – ela tanto pode
servir-se dele como ignorá-lo;
não se deve, tampouco, aferir do teor “humano” de um determinado
conceito de arte pela sua maior ou menor aceitação popular; a popularidade das
criações artísticas mais puras não depende apenas da educação e do
amadurecimento intelectual das massas, tal como geralmente se supõe, – haja
vista a ignorância das chamadas “elites”, cujas prevenções, nesse particular,
ainda são mais acentuadas que as do homem comum – mas da sua educação artística,
entendida não com propósitos de requinte cultural, mas como o pão e o vinho para
os antigos, ou seja, visando atender a necessidades humanas primárias e
fundamentais.
O presente programa foi elaborado precisamente com esse intuito de
integrar a educação artística, da mesma forma que a literária e a científica,
no quadro geral da educação secundária,
a fim de possibilitar, aos poucos, um nível coletivo de simpatia,
compreensão, discernimento e, como consequência, um grau generalizado de
acuidade capaz de tornar a arte do nosso tempo de âmbito popular, pois é de
lamentar-se que tantas criaturas que poderiam gozar dessa fonte puríssima de
vida na sua plenitude, se vejam privadas dela tão-somente por falta de uma
iniciação adequada; iniciação que deve constituir, portanto, a finalidade
última do ensino do desenho no curso secundário.
E seria bom o professor fazer, nesse sentido, um apelo ao aluno
para que não encare a série final do curso como uma porta que se fecha, mas,
pelo contrário, como uma abertura que o predisponha a intuir, num simples traço
ou numa elaborada e complexa obra, a presença dessa coisa misteriosa chamada arte.
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