sábado, 30 de novembro de 2013

Memorial da America Latina - lágrimas de fogo

Gosto do Memorial da América Latina.

Quando esse conjunto projetado por Niemeyer estava em construção me lembro de uma discussão com alguns colegas arquitetos sobre a hipótese da obra dialogar ou não com a cidade. Uma polêmica que alguns generalizavam como crítica às intervenções do "Arquiteto", como o chama numa belíssima canção, o cantor e compositor Djavan.

Dizia-se que suas formas eram bonitas, mas, se colocavam fora dos contextos urbanos.

Impossível penso eu, enxergar assim sua obra.

Há que se olhar e olhar repetidas vezes e encontrar sua poesia, sua visão, sua beleza e suas formas inventivas de quem olha muitas vezes o "lugar" para desenhar.

Mas, fiquei em dúvida mesmo assim diante daquela polêmica. Sempre me preocupou o tema da imagem da cidade, sua identidade em cada lugar. Mas, mesmo assim, gostava daquele projeto, suas formas e o branco animavam uma parte em decadência física da cidade.

Alguns anos depois fui a um seminário, dos inúmeros que acontecem lá, e tive a resposta à minha dúvida. Comecei a andar pelo bairro, que ainda não estava tão descaracterizado, e a olhar as fábricas em volta do complexo, e fiquei impressionada com a semelhança da escala dos edifícios.

A Barra Funda possuía fábricas verticalizadas com cinco ou seis pavimentos. Diferente da paisagem da Mooca, minha velha conhecida que tinha grandes galpões térreos.

Percebi que os edifícios do Memorial traziam uma proporção que dialogava com a altura das fábricas do bairro soltas, individuais nos quarteirões, nas ruas em meio ao casario. Fiquei alegre por encontrar essa relação que talvez não fosse intencional, mas, mais uma vontade minha.

No entanto, gosto de pensar que há ensinamentos na arquitetura que não estão visíveis a olho nu.

E aquela mão com o formato da América Latina no meio da praça? Vermelha como pulsa o sangue do povo latino americano! Que ousadia! Beira à arte popular. Ali também tem a mão de Darcy Ribeiro.

Estive no Memorial em atos políticos da atividade do Parlatino. Tive a oportunidade de ver Fidel Castro cumprimentando delegações que o homenagearam por lá. E fui a um aniversário do próprio arquiteto, onde o conheci pessoalmente e fiquei impressionada com a delicadeza da sua mão ao cumprimentá-lo.

Recentemente fui ao memorial ver os painéis de Portinari da ONU.
Que orgulho daquela obra!
E pensar que o autor nem pode ir à sua inauguração por razões políticas.

Dessa vez me pus a contemplar a cidade a partir da passarela que liga os dois complexos sobre a avenida e cuja existência nos faz quase esquecer que são dois terrenos.
Descobri como se deve tratar uma passarela elevada, solução tão rejeitada pelos pedestres de um modo geral nessa cidade tão agitada, uma solução onde suas cabeças estão protegidas num espaço controlado.

Simples assim, óbvio diriam outros, mas não temos outro exemplo assim tão bem resolvido na cidade, em espaço público a céu aberto.

Gosto do Memorial e senti como se São Paulo ficasse ferida com este incêndio.

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